A nostalgia do passado leva-me até Massarelos, para ver os bacalhoeiros, ou as obras da ponte da Arrábida, ou um pouco mais longe ainda, para ver um barco encalhado no Cabedelo, na Foz, ou no Castelo do Queijo; nada disso está, nada disso vejo. As cheias já não fazem estragos. Quantos sustos nos deu o nosso Douro! Talvez por isso, por ser “douro”, quanto nos custou! Tudo tinha o seu encanto, até a tragédia.
Recordo uma cheia que pude presenciar em Massarelos: o poder devastador do rio, na confluência com o oceano, ao enfrentarem-se as duas forças, provocou uma corrente fortíssima de água que fez saltar os paralelepípedos da rua: saíram disparados como balas de canhão.
Na Foz, a proximidade do mar convida a passear, ou a tomar um refrigério, placidamente, num dos seus multíplices pontos de encontro, com diversão ou sossego, de tudo há. Aqui a paisagem é cativante e de metamorfoses constantes, todas no tom e do som que nos dá o Oceano.
Ondas que se desfazem sobre a praia, ou contra o cais, com uma espécie de ternura violenta; são a invasão dum sem fim de experiências, todas elas vividas intensamente; recordações dum tempo ido que faço que perdure.
Do outro lado o progresso: tudo são grandes avenidas e passagens a distintos níveis. Isto veste muito para os de fora, faz-nos mais europeus, mas não quero partilhar-te! Bom, para não pecar de egoísta deixarei que te contemplem, mas sem que te desgastem mais daquilo que observo em alguns sítios.
Fora da urbe a noite cai como uma persiana preta. Nos dias de canícula só se ouvem as rãs e os grilos, que, como também tem calor, ventilam-se; eis o resultado de tanta algazarra.
No fim das tarde do Outono as sombras alongam-se uniformizando tudo. As noites brumosas, são, sem duvida, noites de Outubro.
A temperatura ambiente já não convida a longos passeios, mas sim a fazer alguma visita cultural. Os Museus, arquivos fiáveis de tudo o que de bom tens como património intelectual, testemunho do legado que te deixaram os nossos antepassados, aguardam a nossa presença. O Soares dos Reis é duma visita anual obrigatória. Não posso estar muito tempo sem contemplar a “Flor Agreste”, essa expressão infantil, cândida, terna; nem o “Desterrado”, faz-me recordar a obra doutro génio, Rodin, mas com umas formas mais perfeitas, aparentemente mais trabalhadas: ainda que se diga que o mármore de Carrara ao sair da marmoreira é mais brando. Este grande artista nunca foi bem aceitado pela sociedade do seu tempo, sendo como foi uma pessoa extraordinária e, mesmo morrendo novo, deixou-nos um grande espolio de transcendência escultórica.
Existem outros pontos que também são de uma visita obrigada e, como tal, sempre que posso esgueirar-me, não deixo de visitar o Palácio da Bolsa, com o seu esplêndido salão árabe como exponente máximo; a gare da estação de São Bento, para contemplar a arte expressa nos azulejos das paredes; a igreja da Lapa, que retém o coração do Rei que o ofereceu ao Porto, Dom Pedro; a talha dourada da igreja de São Francisco; o museu etnográfico, e nele a evolução da vida dentro de ti como cidade, o primeiro que visitei quando ainda estudava no Gomes Teixeira; as capelas da Sé, especialmente a que está talhada em prata; a ornamentação da igreja de Santa Clara, de magnifica talha dourada; passear da Foz ao Castelo do Queijo e receber na cara a brisa do Oceano. Entro por Ti dentro, enchendo-me de Ti.
Um coração nostálgico, e portuense, sente-se feliz rodeado de bons amigos. Para que juntos possam recordar o felizes que foram e que seguirão sendo, motivados em continuar a descobrir esses velhos recantos cheios de encanto que Tu tens. Com um copo na mão, dum bom Porto, tudo se faz mais prazenteiro, e se a dona saudade bate à porta será bem-vinda, pois será mitigada com o excelente caldo que os vinhedos da nossa terra deu, e que as mãos dos nossos paisanos cuidaram, ao extremo de poder conseguir que sigamos sendo um pouco mais felizes ainda, mantendo acesas as chamas dessas velhas tertúlias e tradições.
O estrangeiro que passa por aqui, um corre caminhos e cidades, sempre cheio de pressa, que vai dum museu ao outro, não suspeita da presença dum mundo diferente que rodeia sem dar fé de que está aí. Nunca pretendi conhecer uma cidade vendo postais, tenho que perder-me nela.
Fui feliz no deambular pelas tuas ruas tentando orientar-me, pretendendo descobrir donde estava. A alma duma cidade não se deixa captar tão facilmente. As cidades são livros que se lêem com os pés. Para poder-se comunicar com ela é preciso aborrecer-se nela. Pode-se seguir um guia turístico, mas fica muito por ver, e mais ainda por conhecer, não a monumental, essa é de pedra, é certo que estás cheia de historia, mas a humana, a outra, Tu, o mais grande do Porto.
Recordando-A desde a Valência do Cid Campeador
Com a participação e apoio de Maria José Dias Rodrigues